Algumas considerações sobre a Ilustração na Literatura Infantil e Juvenil

"Estes e mais textos no site do ilustrador Anielizabeth" www.anielizabeth.blogspot.com

O texto abaixo faz parte da minha monografia. Sou Especialista em LIJ, pela UFRJ e concentrei meus estudos na ilustração, como não poderia deixar de ser.

“Nunca houve antes uma época como a nossa, em que a imagem visual fosse tão barata, em qualquer sentido que se tome a palavra. Estamos cercados, investidos, por cartazes e anúncios, por história em quadrinhos e ilustrações de revistas. Vemos aspectos da realidade representados nas telas de televisão e de cinema, em selos postais e embalagens de comida.”

(Gombrich)

Engana-se quem pensa que o que se lê acima foi dito há pouco tempo. Esta fala de Gombrich é do ano de 1959. A “banalização” da imagem da qual tanto se fala quando o assunto é ilustração é mais antiga do que se pensa.

Cada vez mais a ilustração encontra espaço na literatura infantil e isto, além de ser muito mais do que uma jogada do mercado editorial é um assunto que promove debates e discussões quando o assunto é o livro infantil. Ilustração é Literatura Infantil? É um elemento importante ou será apenas um adereço? Como se dá o diálogo escrita / imagem? O que é “ilustrar” um texto? Pode-se dizer quase que grosseiramente, que é diferente de uma pintura porque serve a um propósito, a uma solicitação, ou para comunicar uma idéia ou conceito através de uma linguagem não-verbal. A diferença da ilustração de um livro para uma tela pintada é que para a última, não há um propósito específico, é algo interpretativo. A comunicação é mais receptiva do que transmissiva. Na ilustração, ao contrário, existe uma mensagem, que precisa ser comunicada e recebida conforme o ilustrador a concebeu. Pode haver metáforas, comparações, sínteses, mensagens subliminares, códigos de comportamento ou regionalismos, mas o artista neste caso quer que o espectador entenda o que ele quis dizer. Será que ilustrar é traduzir o que o texto já diz? Será que é representar uma chave pronta e óbvia do que já foi apresentado pelo texto? A ilustração de um livro infantil encerra percepções, detalhes artísticos que precisam ser lidos. E esta leitura é algo bastante específico, que ultrapassa as barreiras do verbal e entra no campo da subjetividade tanto quanto o texto escrito.

A ideia de que as imagens estão substituindo as palavras para as atuais gerações, de que hoje é muito mais fácil ver o mundo de imagens do que se aventurar a ler as palavras, que o mundo está contaminado por um sem fim de imagens, tem sido muito disseminada. Mas pôde-se perceber, no início deste capítulo, que esta é uma idéia um tanto antiga. Há um hábito de quase culpar a imagem da relação estreita que ela estabelece com o leitor e do desapego do leitor à leitura da palavra escrita. Afinal, dizem, é muito mais fácil olhar para imagens rápidas e facilmente decodificáveis, do que se deter em uma leitura que irá tomar, no mínimo tempo. Tudo isso pode ser em parte, verdade, se estivermos nos referindo à massificação da mídia ou àquelas imagens, que são, em sua essência, planetárias, como as sinalizações em locais públicos, por exemplo. Mas não pode ser considerada verdade se o assunto for Literatura. Existem as imagens feitas para vender um produto e existem as imagens literárias. Aquelas que, dada à complexidade de sua criação, seus simbolismos e significados, levam à reflexão sobre a leitura, abrem portas para a imaginação, para a humanização das pessoas, conforme a ilustradora Regina Yolanda.

A ilustração do livro infantil não é aquilo que serve apenas para o pequeno leitor decifrar o texto. O livro é uma obra de arte que, mais do que educar pedagogicamente falando, tem o poder de desenvolver o potencial de sensibilidade presente no ser humano. O livro infantil é um produto bastante peculiar, pois conjuga interpretação de texto, projeto gráfico, inúmeras técnicas de ilustração, além dos mais diversos recursos das artes gráficas disponíveis.

Segundo Ricardo Azevedo,

“O texto escrito e as imagens constituem códigos diferentes dotados de recursos peculiares e por vezes incompatíveis... Além disso, textos literários tendem a ser plurissignificativos e possibilitar diferentes leituras o que, em princípio, desqualifica premissas como “mensagem” e “chave única de leitura”, ou seja, não combinam com a idéia de univocidade. Tais noções podem ser apropriadas para obras informativas e didáticas, mas não funcionam diante de textos que privilegiam a ficção e a linguagem poética”.

O livro infantil é uma invenção humana privilegiada, na medida em que lida com diferentes linguagens artísticas. A ilustração, assim como a literatura, deleita, comove, educa, uma vez que estimula a imaginação cada vez que se permite dialogar e criar vãos e nuances no livro, não se contentando em ser uma cópia desenhada do que está escrito, cada vez que vai além do que está escrito no texto, cada vez que se propõe a tocar a sensibilidade e contribuir para a intuição criadora do leitor, capaz de subjetividades desde a mais tenra infância. Mas para que isso seja verdade, é preciso ter sempre em foco a importância de se investir no aprimoramento artístico da ilustração, em detrimento da ilustração mercenária.

Um livro bem realizado, que conjugue texto e projeto gráfico bem planejado, aguça os sentidos do leitor.

Mas afinal, que relação é esta de encantamento com a imagem? Sabe-se que o ato de criação, em qualquer campo da arte, não se dá de forma leviana e impensada. Conscientemente ou não, surge de um intenso processo de pesquisa. Além das ‘imagens’ gravadas no arquivo mental de quem cria, há aquelas que surgem de um longo e detalhado processo de construção consciente: de época, lugar, texturas, intenções etc.

O livro infantil necessita de pesquisa, conhecimento técnico, projeto e metodologia, tanto na criação do texto, como na criação da ilustração.

E assim como qualquer produto comercial, necessita de marketing. Mas ainda que hoje em dia caiba ao ilustrador cuidar da qualidade estética, funcional e lúdica deste produto, de forma que estes fatores favoreçam seu marketing, seu trabalho ainda está muito mais próximo da criação literária do que do design. Afinal, não se pode perder de vista que o livro é uma obra de arte.

Não seria, então, o livro infantil, uma maneira de documentar a memória iconográfica de uma geração, tanto quanto imortaliza as tendências literárias? Não seria a literatura infantil uma poderosa aliada no combate à banalização das imagens e das comunicações tão observadas e comentadas? É necessário que o leitor treinado para ler códigos verbais seja preparado também para ver e decodificar a pluralidade de linguagens que no livro infantil se encontram e se articulam em uma espécie de tessitura.

Percebe-se, em muitas conversas e pensamentos sobre o assunto, o hábito de se justificar a presença ou existência da imagemna LIJ, fato que não ocorre com relação à escrita, como se a primeira não fosse uma expressão tão natural do ser humano como a segunda. No entanto, desde os primórdios da escrita que utilizamos hoje, texto e imagem coexistem. No caso do livro infantil, o ilustrador contrapõe a palavra escrita a um outro universo, que é o desenho, que também narra, e que é posto na frente das palavras para criar uma terceira coisa: o livro ilustrado. Portanto, o texto do livro ilustrado não é nem a palavra, nem a imagem: são as duas coisas juntas.

Anielizabeth

2 comentários:

  1. muito bom. usei alguns argumentos desse texto na minha aula de ilustração para publico infantil e creditei este site. agradeço a disponibilização

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